Os limites da cláusula arbitral na relação de consumo

dez 6, 2023 | Direito da era Digital

Ao que tudo indica a discussão sobre o conflito entre Arbitragem e Poder Judiciário está longe de ter um fim e ser pacificado. Isso porque, recentemente, o STJ, através do julgamento do Recurso Especial de n. 1.636.889/MG, sob Relatoria da Ministra Nancy Andrighi, se viu, mais uma vez, diante da análise sobre a validade da clausula compromissória em contratos de adesão no ambiente da relação de consumo.

O caso que deu origem ao Recurso Especial acima teve início com ação judicial no Tribunal Mineiro em que o consumidor, autor da demanda movida uma construtora, buscava o recebimento de indenização e pagamento de multa contratual por decorrência do atraso na entrega de sua unidade habitacional. Ou seja, tudo indicava que seria mais uma ação corriqueira de atraso de obra tão comum nas relações imobiliárias.

De início a ação foi extinta sem resolução de mérito por conta da existência de cláusula arbitral, com fundamento no art. 485, VII, do CPC. Ou seja, houve o reconhecimento da incompetência do Poder Judiciário para apreciar a demanda em virtude da existência da clausula compromissória.
Contudo, como se sabe no direito “tudo depende”.

“Depende” porque a existência da clausula arbitral em contrato, por si só, não significa a presunção da validade e obrigatoriedade inicial e isso se dá, pois, em algumas relações e contratos específicos, o legislador optou por limitar a eficácia da referida cláusula e uma das hipóteses é justamente na relação de consumo através de instrumentos de adesão, conforme determinado no art. 53, VII, CDC.

O “depende” em questão está inserido na medida em que a arbitragem possui, ao menos, três graus de aplicação, sendo: (i) a regra geral, que obriga a observância da arbitragem quando pactuada pelas partes, afastando a resolução do litigo do Poder Judiciário; (ii) a regra específica, aplicável a contratos de adesão genéricos, que restringe a eficácia da cláusula compromissória, mas a depender do caso ainda é aceito; e (iii) a regra ainda mais específica, incidente sobre contratos sujeitos ao CDC, sejam eles de adesão ou não, impondo a nulidade de cláusula que determine a utilização compulsória da arbitragem.

Diante deste cenário, o “depende” passa pela análise sobre do prévio conhecimento da existência da cláusula arbitral, bem como de quem partiu a estipulação para a existência deste tipo de cláusula no contrato; se do consumidor ou se do fornecedor. Tal análise é importante, pois, em resumo: (i) se o interesse partiu do consumidor, presume-se válida a cláusula, permitindo a resolução do conflito perante o juízo arbitral; (ii) se o interesse partiu do fornecedor, sem o prévio conhecimento e aceite do consumidor, a cláusula é presumidamente nula, devendo o conflito ser levado para a justiça comum.

O ponto central da questão é: ainda que exista a eleição do foro arbitral para resolução de conflitos oriundos de contrato de adesão na relação de consumo, quem é competente para a declaração de nulidade? O juízo arbitral ou o Poder Judiciário? Ou seja, haveria a necessidade do reconhecimento da nulidade por parte do juízo arbitral ou o a nulidade pode ser reconhecida diretamente pelo juízo comum?

Sobre tal questionamento, o posicionamento do STJ foi no sentido de que a necessidade de se instaurar primeiramente o procedimento arbitral apenas para se apreciar sobre da validade da cláusula arbitral tornaria letra morta o art. 51, VII do CDC, já que, neste tipo de situação, conforme fundamento da Ministra Relatora Nancy Andrighi “ofenderia o sistema erigido para a proteção e defesa do consumidor e tampouco seria razoável exigir do sujeito vulnerável que recorresse ao juízo arbitral tão somente para ver declarada a nulidade de cláusula compromissória que lhe impõe a utilização compulsória da arbitragem”.

Dessa forma, conclui-se que, apesar da excepcionalidade em relação a interferência do Poder Judiciário na Arbitragem, parece acertada, seguindo a linha do que reza a proteção processual, sem a necessidade de se instaurar um procedimento arbitral somente para se ter decidir sobre a validade ou não da cláusula compromissória.

Por Felipe Barros

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